quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ORA POIS, ESCREVEI!


É divertido brincar com a palavra.

- Inclusive abusando do tom solene e luso do título!

Faz de conta que Pessoa ou Eça – ô santa pretensão - estão a  te guiar a pena.

Ora pois, arma-te de caneta e papel, e diverte-te!

Tece a trama, desafia a métrica, garimpa rimas e fonemas..

Forja a intenção de desejos com letras encaixadas cuidadosamente - ou ao léu mesmo...Viaja!

Ninguém precisa ser escritor tarimbado, jornalista ou filósofo.

Convém, claro, ser minimamente digno com as regras da escrita.

Mas, ainda que te falte o vernáculo, escrevei!

Se a coisa travar, sempre poderás chamar o Aurélio ou o Google...

Cecilia Meireles escreveu, e  Fagner gravou: “Eu canto, porque o instante existe, e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste, sou poeta.”

Poesia, crônica, romance, ficção, lamúrias ou exaltações, o que for!

Pega teu instante e trata de completar a tua vida, nem que seja por breves momentos rabiscando matutações!

Escrevei!!

E faz da palavra tua ação.

Ainda que ninguém jamais leia o que escreveste, escrevei!

Bastará que as linhas vertam a ti mesmo e te revelem, te levem onde for!

Que sejam traços quase garranchos, rabiscados no papel ou na areia.

Que sejam atos contritos ou exultantes, que não confiamos ao risco da viva voz...

É, tem horas em que disfarçamos a covardia em versos, como quem dá o tapa e esconde a mão. 

A palavra escrita é refúgio tentador para quem não ousa dizer olho no olho o que sente, de bom ou de ruim...

É também, muitas vezes, mais eficiente que uma voz hesitante, trêmula de ansiedade, vergonha ou medo.

Nas relações amorosas - ou na intenção disso - funciona no mínimo como um artifício para driblar a falta de ímpeto, o receio de errar a mão, a insegurança que é quase um pânico. 

Então, escrevei!

Quantas vezes uma carta, um bilhetinho num pedaço de guardanapo ou um e-mail não abriram caminho para uma performance melhor “ao vivo”, mais adiante, já com a auto-confiança um pouco restabelecida pela ousadia escrita que antecipou a intenção e a ação?

As letras podem ser um excelente interlocutor, um confidente inestimável.

O papel em branco se faz confessionário, se faz bálsamo – e vira até juiz, quando nos submetemos ao júri da alma e do coração, tribunal indevassável que só permite o argumento na ponta da caneta e no discurso de nossas culpas, ou de nossas alegrias e virtudes, nas disciplinadas linhas paralelas do caderno ou no etéreo branco infinito e sempre tolerante do bloquinho de anotações.

Por essas e por outras, que é divertido brincar com a palavra – e perigoso também.

Então, arrisca-te!

Mas cuidado: nos sentimos encorajados diante do papel ou da tela do computador, mas podemos não estar prontos para o que vamos dizer.

Sim, porque o texto, ainda que a intenção seja dirigir para alguém, em primeiro lugar atinge a nós mesmos.

Abrir a primeira frase pode ser a decolagem para um vôo vertiginoso, ou um planar suave de gaivota ao entardecer.

Ou então, uma tentativa que nem sai do chão.

Abusando um pouco mais da metáfora aérea, voar montado nas letras pode ser uma aventura sedutora, de descobrimento, ou um grande erro com efeitos colaterais, dependendo de onde caírem as bombas que eventualmente levamos nesta missão.

E mais: corremos o risco voar como Ícaro, ascendendo plenos de confiança, para desabar fatalmente com as asas de cera derretidas no calor da nossa presunção.

Mas, apelando para Vinícius de Morais e comparando filhos com textos, “se não os temos, como sabê-los?”  

Então, escrevei!

Faz o parto das tuas dores e sonhos, faz o julgamento das tuas promessas e dívidas.

Faz linhas iluminadas, faz bobagens!

Faz teu retrato em sílabas, faz teu horizonte em frases engendradas pelo simples impulso de escrever... 

Vai!!

 

 

 

 

 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AS GRANDES PAUTAS QUE FELIZMENTE NÃO COBRI


Uma das grandes frustrações que carrego como jornalista (pelo menos até agora) é não ter coberto uma guerra.

Os grandes conflitos, que representam a síntese da humanidade (e da desumanidade), tem algo de irresistivelmente atraente para jornalistas - em que pese toda a tragédia que envolve estes acontecimentos.

A história do mundo é pontuada e pautada pelas guerras, desde sempre. E para um jornalista de linha de frente, sentir o calor do front é algo sublime.

Não se trata de sadismo ou da morbidez atávica de todos nós. É simplesmente a oportunidade única de ser testemunha e relator de um momento histórico.

Isso, para jornalistas, não tem preço.

Já cobri eventos que muitos colegas mais afoitos classificaram como “cenário de guerra”.

Eu não ousaria tratar aqueles fatos assim, diante da dimensão e do significado de um conflito armado de verdade.

O curioso é que, embora nunca tenha estado em um campo de batalha, sinto que, para mim, o impacto de ver os mortos em combate não seria tão devastador como em outras situações, de amplitude muito menor, mas potencialmente  avassaladoras do ponto de vista da constatação da tragédia e da dor.

E, algumas vezes, fiquei muito feliz por não ter trabalhado em pautas de grande impacto jornalístico.

Como o incêndio que matou 12 crianças numa creche em Uruguaiana, em 2000.

Quando a notícia chegou à redação da RBSTV, me escalaram para a matéria. Mas eu já tinha saído da emissora, e a chefia de reportagem não conseguiu me localizar a tempo para me enfiar com a equipe num avião fretado. 

Em meu lugar, foi a repórter Luciana Kraemer, junto com o repórter cinematográfico Jair Alberto. Ambos, como eu, integravam o núcleo Rede Globo.

Se eu tivesse ido, teria feito a matéria com todos seus aspectos, como meus colegas fizeram, para todo o país. Mas certamente guardaria na memória para sempre a imagem das crianças carbonizadas, abraçadas umas nas outras num canto da sala calcinada. 

Uma lembrança terrível que jamais me abandonaria. Não seria um trauma, mas um fantasma incômodo a me perseguir insistente e eternamente, ainda mais que sou pai de duas filhas.

Depois que se tem filhos, a sensibilidade à morte muda dramaticamente. Antes, eu contemplava cadáveres mutilados com a naturalidade de um legista. Depois de ser pai, acidentes com vítimas ou chacinas envolvendo crianças e jovens passaram a me tocar muito mais. 

Como atualmente não estou vinculado a nenhum veículo de comunicação, não cobri o horror de Santa Maria.

O incêndio da Kiss rendeu uma pauta de impressionante repercussão mundo afora. Uma oportunidade rara para colegas experientes porem à prova sua capacidade de equilíbrio emocional e profissional, e de crescimento e amadurecimento pessoal para os novatos envolvidos na cobertura.

Mas certamente todos voltarão para casa marcados para sempre, por tudo que viram e pelos relatos dolorosos dos amigos, familiares e sobreviventes.

Como jornalista, talvez pudesse lamentar não ter tido a oportunidade de me envolver na cobertura de um fato de tamanho impacto.

Mas depois de ter testemunhado tanta dor e tristeza em quase 30 anos de profissão, desta vez me senti feliz por não estar mais ao alcance das escalas de reportagem.

Tal como na vez em que fui poupado pelo destino de ver as crianças de Uruguaiana.  E que agora me poupou de ver as jovens vítimas de Santa Maria, baixas da eterna, insana e inócua  guerra brasileira contra a irresponsabilidade e a impunidade.