É divertido brincar com a palavra.
- Inclusive abusando do tom solene e luso do título!
Faz de conta que Pessoa ou Eça – ô santa pretensão - estão
a te guiar a pena.
Ora pois, arma-te de caneta e papel, e diverte-te!
Tece a trama, desafia a métrica, garimpa rimas e fonemas..
Forja a intenção de desejos com letras encaixadas
cuidadosamente - ou ao léu mesmo...Viaja!
Ninguém precisa ser escritor tarimbado, jornalista ou
filósofo.
Convém, claro, ser minimamente digno com as regras da
escrita.
Mas, ainda que te falte o vernáculo, escrevei!
Se a coisa travar, sempre poderás chamar o Aurélio ou o
Google...
Cecilia Meireles escreveu, e
Fagner gravou: “Eu canto, porque o instante existe, e a minha vida está
completa. Não sou alegre nem sou triste, sou poeta.”
Poesia, crônica, romance, ficção, lamúrias ou exaltações, o
que for!
Pega teu instante e trata de completar a tua vida, nem que
seja por breves momentos rabiscando matutações!
Escrevei!!
E faz da palavra tua ação.
Ainda que ninguém jamais leia o que escreveste, escrevei!
Bastará que as linhas vertam a ti mesmo e te revelem, te levem
onde for!
Que sejam traços quase garranchos, rabiscados no papel ou na
areia.
Que sejam atos contritos ou exultantes, que não confiamos ao
risco da viva voz...
É, tem horas em que disfarçamos a covardia em versos, como quem dá
o tapa e esconde a mão.
A palavra escrita é refúgio tentador para quem não ousa dizer
olho no olho o que sente, de bom ou de ruim...
É também, muitas vezes, mais eficiente que uma voz
hesitante, trêmula de ansiedade, vergonha ou medo.
Nas relações amorosas - ou na intenção disso - funciona no
mínimo como um artifício para driblar a falta de ímpeto, o receio de errar a
mão, a insegurança que é quase um pânico.
Então, escrevei!
Quantas vezes uma carta, um bilhetinho num pedaço de
guardanapo ou um e-mail não abriram caminho para uma performance melhor “ao
vivo”, mais adiante, já com a auto-confiança um pouco restabelecida pela
ousadia escrita que antecipou a intenção e a ação?
As letras podem ser um excelente interlocutor, um confidente
inestimável.
O papel em branco se faz confessionário, se faz bálsamo – e
vira até juiz, quando nos submetemos ao júri da alma e do coração, tribunal
indevassável que só permite o argumento na ponta da caneta e no discurso de
nossas culpas, ou de nossas alegrias e virtudes, nas disciplinadas linhas
paralelas do caderno ou no etéreo branco infinito e sempre tolerante do
bloquinho de anotações.
Por essas e por outras, que é divertido brincar com a
palavra – e perigoso também.
Então, arrisca-te!
Mas cuidado: nos sentimos encorajados diante do papel ou da tela do
computador, mas podemos não estar prontos para o que vamos dizer.
Sim, porque o texto, ainda que a intenção seja dirigir para
alguém, em primeiro lugar atinge a nós mesmos.
Abrir a primeira frase pode ser a decolagem para um vôo
vertiginoso, ou um planar suave de gaivota ao entardecer.
Ou então, uma tentativa que nem sai do chão.
Abusando um pouco mais da metáfora aérea, voar montado nas
letras pode ser uma aventura sedutora, de descobrimento, ou um grande erro com
efeitos colaterais, dependendo de onde caírem as bombas que eventualmente
levamos nesta missão.
E mais: corremos o risco voar como Ícaro, ascendendo plenos
de confiança, para desabar fatalmente com as asas de cera derretidas no calor da
nossa presunção.
Mas, apelando para Vinícius de Morais e comparando filhos
com textos, “se não os temos, como sabê-los?”
Então, escrevei!
Faz o parto das tuas dores e sonhos, faz o julgamento das
tuas promessas e dívidas.
Faz linhas iluminadas, faz bobagens!
Faz teu retrato em sílabas, faz teu horizonte em frases
engendradas pelo simples impulso de escrever...
Vai!!